sábado, 30 de janeiro de 2010

AMAZÔNIA: HISTÓRIA E LENDA


Adelmar Santos de Araújo

A conquista do espaço amazônico, ou seja, a exploração dos recursos florestais de forma comercial, bem como o estabelecimento de núcleos humanos apresentando soberania em relação a outros e a penetração dos grandes cursos fluviais está dividida em dois períodos. Durante o processo de colonização efetuado pelos portugueses ocorreu o primeiro período. O segundo período está ligado à exploração das héveas a partir da segunda metade do século XIX. A fronteira legada pelos portugueses no início da colonização foi empurrada pelo empreendimento da exploração da borracha. Grossos contingentes de migrantes nordestinos, em sua maioria cearenses, alcançaram os altos rios amazônicos (REIS, 1953).
Se hoje a Amazônia é escancaradamente cobiçada pelas grandes potências imperialistas, séculos atrás não era muito diferente – mais precisamente a partir da disputa pelas terras do Novo Mundo entre portugueses e espanhóis. O Tratado de Tordesilhas, mediado pela Igreja, dividiu o direito de exploração do continente entre Portugal e Espanha. Segundo os ajustes desse tratado, a Amazônia seria espaço integrante das conquistas espanholas. Na verdade a linha de Tordesilhas que oficialmente demarcava a fronteira entre essas possessões nunca foi levada muito a sério, sobretudo entre ingleses, franceses e holandeses que a partir do século XVII, a serviço de empresas comerciais estavam criando estabelecimentos mercantis e militares ao longo do Amazonas. Conforme Tocantins (1979), o Tratado de Tordesilhas já nasceu “caduco”.
Curiosamente, as duas Coroas que se rivalizavam nos cometimentos marítimos, foram unificadas por Felipe II da Espanha em 1580 por ocasião da morte de Dom Henrique. Durante os 60 anos de aparente unidade amistosa, a Espanha parece não ter percebido a gravidade de muitos acontecimentos que mudariam radicalmente a posição geográfica de Portugal no Novo Mundo no momento da sua independência política em 1640 (TOCANTINS, 1979). Após essa data reincidiu a disputa entre os países ibéricos por colônias na América do Sul, ocorrida ao longo de boa parte de nossa história colonial. Mas os portugueses mostraram-se habilidosos em matéria de diplomacia, por exemplo, ao estabelecerem o princípio do uti possidetis como base para a divisão territorial. Este princípio determinava que a terra devesse ser possuída pelos que trabalhavam e que nela moravam; tal princípio tornou-se um instrumento importante para que os portugueses pudessem consolidar sua presença no imenso território que hoje é o Brasil.
Em meados do século XVIII pouco se conhecia sobre o interior do continente americano, e, menos ainda se conhecia sobre a Amazônia. O que não quer dizer que esta região fosse uma região despovoada. Nesse sentido, seria incorreto afirmar que os portugueses povoaram a Amazônia; seria mais fácil falar de despovoamento, tendo em vista o gigantesco número de índios que foram escravizados e massacrados pelos portugueses a partir do século XVII. “Os índios foram os primeiros produtos de exportação da Amazônia para Portugal” (SOUZA, 1992, p. 33).
Pode-se dizer que um dos períodos mais estudados da história amazônica é o que se refere à exploração da borracha, concomitantemente à imigração nordestina para aquela região a partir de 1850. Esse período desdobra-se em outros dois. A intensificação da imigração nordestina começa a partir de 1870 e se mantém num ritmo progressivo até mais ou menos 1912 – primeira batalha da borracha (primeiro surto). O período compreendido entre 1942 a 1945 ficou conhecido como segunda batalha da borracha (segundo surto).
Tem-se a década de setenta do século XIX como marco do chamado primeiro surto da borracha. Esse fenômeno levou para a Amazônia milhares de trabalhadores nordestinos. A década de setenta do século XIX foi também a década que acontecia uma das maiores secas do Nordeste brasileiro. Além disso a questão agrária agravava ainda mais os problemas dos trabalhadores pobres. Seja pela seca, ou pelo latifúndio ou por quaisquer outras razões, grandes levas de trabalhadores nordestinos foram “tangidos” em direção à Amazônia. A aventura de enfrentar a selva através do corte da seringa, geralmente, representava a esperança de uma vida melhor (BENCHIMOL, 1977). Na maioria das vezes o trabalhador alimentava o sonho de enriquecer e depois retornar a sua terra natal, o que dificilmente acontecia. Por outro lado, com os grandes grupos econômicos a história é outra: se para a maioria dos trabalhadores a ida para a Amazônia foi impulsionada por mazelas sociais, os interesses do capital internacional na região estão voltados para atender as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais fomentadas pela segunda revolução industrial a partir da segunda metade do século XIX. Da mesma maneira, a partir de 1941-1942 o capital estrangeiro defendeu assiduamente seus interesses na região: os aliados para vencerem a guerra precisariam de uma importante matéria-prima, que naquele momento só na Amazônia brasileira havia em quantidade suficiente – a borracha natural, o látex. Os acordos de Washington definiram que o Brasil tornaria essa matéria-prima acessível aos aliados, mas, para isso foi preciso o alistamento de milhares de trabalhadores brasileiros, principalmente nordestinos, para o corte da seringa. Os “soldados da borracha”, que muito contribuíram para com a vitória dos aliados não tiveram o devido reconhecimento.
Embora a História da Amazônia brasileira não tenha sido satisfatória aos nordestinos que para lá foram, nem aos nativos da região e outros, a miscelânea entre esses povos constituiu populações específicas, mas que se identificam, entre outras formas, nas tradições orais. A luta pela sobrevivência e as experiências de vida foram firmando tradições e foram constituindo o modo de vida dos povos da floresta. As lendas e histórias que foram e continuam sendo transmitidas a cada geração de amazônidas envolvem o homem regional com suas diferentes ocupações, seus valores, tradições e crenças, a fauna e a flora predominantes em cada lugar; afirmam o seu valor medicinal, curandeirismo, alimentício e de ornamentação em sintonia com a necessidade de preservação e manutenção do equilíbrio ecológico (OLIVEIRA, BADER, 1985).
O cotidiano do amazônida vem sendo, ao longo da história, recheado de estórias e lendas que o servem de registro, auto-afirmação, entretenimento, reprodução, conhecimento e sobrevivência. Personagens lendárias, como a Mãe-da-mata, apresentam-se de forma sugestiva à discussão sobre questões ecológicas. Segundo a lenda, a Mãe-da-mata é uma mulher muito bonita que está sempre montada num bicho parecido com uma anta e que tem a missão de proteger a fauna e a flora dos que exploram de forma predatória os recursos naturais, como “mal-seringueiro” que cortava as árvores e matava animais para vender o couro, a pele. Mas ao “bom-seringueiro” a Mãe-da-mata promete abundância de leite no corte da seringa e permite a caça para alimentação da família.

Esta lenda constituiu-se num excelente recurso para desmistificar a associação de fada com uma frágil mulher loura, de olhos azuis e varinha de condão, passando-se a associar fada com a nossa mãe-da-mata, mulher valente, morena, de traços marcantes – cabocla, valente (OLIVEIRA, BADER, 1985, p. 70).

Outra importante personagem lendária da Amazônia é o Curupira. Entidade protetora das matas e vigilante de todos que nelas habitam, o Curupira também protege o seringueiro e ou caçador que busca na mata apenas o necessário para sua sobrevivência. Os que barbaramente sacrificam os recursos naturais, como a “caçada sem precisão”, não são poupados pelo Curupira. No Acre, a imagem do Curupira mais conhecida é a de um menino, caboclinho, peludo, de cabelos avermelhados, os calcanhares para frente e os dedos para trás. Segundo a lenda, a capacidade de metamorfose do Curupira ajuda na perseguição, ludibriação e martirização do caçador malvado, que para atraí-lo o Curupira, geralmente, toma a forma de um animal que certamente será seguido floresta adentro. Depois que ambos, caçador e suposto animal, penetraram o interior da mata, o Curupira num piscar de olhos desaparece deixando o seu perseguidor inteiramente perdido.
Além das duas lendas acima citadas, são também conhecidas: Cipó-jibóia, Guaraná, O boto, Mapinguari, Matinta-Pereira, Caipora, Uirapuru, lenda da Mandioca, entre outras. E, conforme Leandro Tocantins (1984, p. 80), “estas lendas possuem raízes indígenas, africanas e européias. Ganharam sua própria versão, trabalhadas pelas populações nordestinas e regionais. São comuns em toda a Amazônia.”
A exemplo de quaisquer outras, não se pode identificar com precisão uma data para o início das lendas amazônicas. Basta saber que elas estão inseridas no processo de determinado período histórico de longa duração. No entanto, o mais importante é compreender que ao se falar no desenvolvimento de exploração da região amazônica tais lendas cumpriram e cumprem papel fundamental na defesa do equilíbrio ecológico, valorização econômica, cultural e social – em que pese o grau de politização, e consciência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco antes e além - depois. Manaus, Editora Humberto Calderaro, 1977.
MARTINELLO, Pedro. A “Batalha da borracha” na Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências para o vale amazônico, São Paulo: USP, 1985. (Tese)
OLIVEIRA, Maria da Glória Queiroz, BADER, Clara Elizabeth Simão. Educação ambiental para alfabetizar, Rio Branco: UFAC, 1985.
REIS, Arthur Cesar Ferreira. O seringal e o seringueiro, Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1953.
SOUZA, Carlos Alberto Alves de. História do Acre, Rio Branco: M.M. PAIM, 1992.
TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: geografia, história e sociedade, Rio de Janeiro: Philobiblion, 1884.
______. Formação histórica do Acre, Rio de Janeiro: Conquista, 1979, v.1.

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