sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Dia da Consciência Negra: 20 de novembro

Adelmar Santos de Araújo*

O dicionário Aurélio define data como indicação precisa do ano, mês ou dia da passagem de algum fato; data anotada em cartas, tempo, época. E datar, significa pôr data; exprime algo que dura, existe a partir de algum tempo, por exemplo: a abolição da escravatura data de 13 de maio de 1888. As datas que os indivíduos mais gostam de lembrar são as de seu aniversário ou de parentes ou de pessoas muito próximas. Além do mais existem as comemorativas, criadas pela tradição popular ou impostas pelas elites governantes, geralmente feitas feriados. As pessoas até brincam que o Brasil tem muitos feriados. Mas há aqueles que aproveitam disso para realçar a imagem dos heróis propostos pela elite e disfarçar seu interesse em apagar a lembrança dos que lutaram em prol da maioria da população, sejam eles trabalhadores brancos pobres, índios ou negros.
É fácil entender. Quando a República foi implantada no Brasil os líderes do novo regime sentiram a necessidade da figura de um herói e, curiosamente, desenharam a imagem de um mártir parecido com Jesus Cristo: Tiradentes. Não buscaram um índio, um negro ou uma mulher. Muito menos voltaram o olhar para o centro-norte do país.
O dia 20 de novembro é uma dessas datas que enfrenta sérias resistências quanto a sua consolidação rememorativa. Isto explica porque só em 9 de novembro de 2003, através de um árduo processo de lutas silenciosas e do movimento social, instituiu-se a lei número 10. 639 que estabeleceu essa data como o dia da Consciência Negra. A partir daí foi aprovado um estatuto da “igualdade racial”. Certamente foi uma conquista, mas a lei deixou de lado propostas fundamentais, além de não caracterizar a escravidão e o racismo como crimes de lesa-humanidade, conforme o acordo internacional, que por sinal o Estado brasileiro assina em baixo. Além disso, o estatuto não se posiciona a respeito da proteção de jovens negros, que recebem abordagens especiais por parte das polícias militares estaduais.
Apesar dos entraves, a história nos mostra personagens que merecem diariamente a nossa homenagem e que servem de inspiração de combate ao racismo e luta contra o sistema que dele se beneficia. Há exatos cem anos, em 22 de novembro de 1910, estourava a “Revolta da Chibata” liderada por João Cândido. O levante popular dos marinheiros negros do Rio de Janeiro era contra os castigos corporais, os baixos salários na marinha, o tratamento discriminatório das elites dos oficiais e
também lutavam por melhores condições de trabalho. Se recuarmos ao período colonial encontraremos Zumbi, que tornou-se dirigente de Palmares em 1678 e foi morto em 20 de novembro de 1695. A resistência de Zumbi não nos legou apenas a escolha do 20 de novembro como dia da consciência negra, mas também contribuiu para a constatação de que para se livrar efetivamente da escravidão é necessário, antes de mais nada, construir um novo tipo de sociedade, a começar livre da discriminação, miséria e opressão.
Parece redundante dizer que o escravo sempre renegou a escravidão e a falta de liberdade que dela decorria, mas não é. Do mesmo modo, não é exagero afirmar com Ianni que a abolição foi um negócio de brancos. Veja: em sete de maio de 1888 a Câmara dos Deputados do Brasil recebeu um projeto de lei composto de dois únicos artigos. Um declarava o fim da escravidão e o outro revogava as disposições em contrário. Nada mais.
E assim, seria ingênuo e anacrônico esperar que a princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, tivesse alguma preocupação com a vida dos libertos a partir de então. Não foi por acaso que os ideais abolicionistas (é claro, por parte dos que de alguma forma faziam parte do poder) foram deixados para trás e, concomitantemente, as oportunidades necessárias à integração socioeconômica dos ex-escravos foram-lhes negadas.
As datas, querendo ou não, tem a sua importância histórica, mas de nada adianta se elas não se soltarem das amarras do passado e não contribuírem para com melhores expectativas de futuro. Assim vemos o 20 de novembro. Que essa não seja apenas mais uma data a ser lembrada de ano em ano, mas que inspire a unidade dos demais oprimidos, sejam eles brancos pobres, índios ou negros.

Fontes de consulta
QUEIROZ, Suely R. Reis de. A abolição da escravidão, 3ed., (Coleção Tudo é história), São Paulo: Brasiliense, 1986.
http://www.pstu.org.br, acesso em 17/11/2010
http://www.suapesquis.com/datascomemorativas/dia consciencia negra.htm, acesso em 17/11/2010.


* Mestre em Educação e professor de história.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O poder da Imagem



“Uma imagem contem mais de mil palavras”, já dizia um antigo provérbio chinês.
A primeira impressão é a fica, diz o senso comum. Essa aprendida pelos três principais (Dilma, Serra, Marina) presidenciáveis, conforme o olhar burguês. Aliás, o próprio atual presidente do Brasil no visual quando percebeu a possibilidade de vitória nas eleições de oito anos atrás. Mas, felizmente, a imagem físico-visual não é a única nem a que consideramos mais importante. Existe a imagem ética, cultural, social, democrática, cidadã, humana. Por qual imagem primam os candidatos a presidente do Brasil?
No dia 19 de agosto de 2010 o candidato tucano, José Serra, abriu seu programa no horário eleitoral gratuito com imagens do presidente Lula. A pergunta é: por quê isso se Lula é o “principal cabo eleitoral”, nos dizeres de O Popular de 20 de agosto de 2010, p. 17, da candidata Dilma, sua adversária? Que os dois “homens de história”, como forma chamados, nós sabemos (também somos), mas qual história? A imagem que tentam nos mostrar é transparente, capaz de libertar a consciência ou confunde ainda mais a visão do povo brasileiro?

terça-feira, 9 de março de 2010

DIA DA MULHER. ALGUMAS PALAVRAS...

O poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade certa vez escreveu: “Para entender uma mulher é preciso mais que deitar-se com ela... Há de se ter mais sonhos e cartas na mesa que possa prever nossa vã pretensão”. As palavras de Drummond não são apenas belas, verdadeiras, sinceras. Elas nos remetem a uma profunda reflexão.
A sociedade globalizada, com sua ideologia gestionária, tende a transformar em mercadoria os diversos aspectos da cultura (material e imaterial) humana - inclusive os registros do amor e da sexualidade não escapam a tal ideologia. Comerciantes, propagandistas, e, até (ou sobretudo?) os demagogos bolam estratégias para as inúmeras datas comemorativas ao longo do ano; com o Dia Internacional da Mulher não é diferente. Não falta quem não queira enaltecê-las, homenageá-las, como se só nesse dia elas pudessem merecer o seu devido valor, respeito e dedicação como pessoa humana. Às vezes chegam até a torná-las seres assexuadas, ou sagradas, descontextualizadas. E assim, esquece-se que a autonomia da sociedade passa pela autonomia do indivíduo, enquanto homens e mulheres; que não há como falar em cidadãos livres numa sociedade em que “alguns são mais livres que os outros”. Portanto, pensar a questão das mulheres enquanto gênero é fundamental, mas é desleal tratá-las como se todas fossem iguais, como se tivessem as mesmas oportunidades e condições de trabalho, afinal, o gênero as une, mas a classe as separa.
Todavia, hoje em dia, as mulheres de um modo geral têm realizado grandes conquistas, o que corrobora para que o 8 de Março seja sempre lembrado. Que não esqueçamos as mais de cem mulheres operárias de uma fábrica de tecidos em Nova Iorque, no ano de 1857, que foram queimadas vivas por reivindicar melhores condições de trabalho e melhor remuneração; que não esqueçamos as mulheres trabalhadoras de hoje em dia. A luta das mulheres é uma luta justa, afinal elas já receberam um terço do salário dos homens, desempenhando o mesmo trabalho.
Contudo, não deixemos que as mazelas sociais e as durezas da vida cotidiana apaguem o brilho do nosso olhar e a chama da poesia quando se trata de homenagear a mulher, essa figura encantadora e enigmática. A rainha do òikos (espaço familiar), desde os gregos, não aceita mais a submissão perante o homem; que o mito das Amazonas, mulheres guerreiras, inspire todas as mulheres, sobretudo as que amamos. Afinal, o dito popular de que “atrás (elas dizem ao lado) de um grande homem há sempre uma grande mulher”, é verdadeiro. Não fosse assim, o que seria de Ulisses, herói grego, sem Penélope, de Teseu sem Ariadne, de Jasão sem Medéia? Para não ir longe, sem a mulher (minha mãe) que me colocou no mundo, eu não teria escrito esse texto. PARABÉNS MULHER PELO SEU DIA-A-DIA!

sábado, 30 de janeiro de 2010

AMAZÔNIA: HISTÓRIA E LENDA


Adelmar Santos de Araújo

A conquista do espaço amazônico, ou seja, a exploração dos recursos florestais de forma comercial, bem como o estabelecimento de núcleos humanos apresentando soberania em relação a outros e a penetração dos grandes cursos fluviais está dividida em dois períodos. Durante o processo de colonização efetuado pelos portugueses ocorreu o primeiro período. O segundo período está ligado à exploração das héveas a partir da segunda metade do século XIX. A fronteira legada pelos portugueses no início da colonização foi empurrada pelo empreendimento da exploração da borracha. Grossos contingentes de migrantes nordestinos, em sua maioria cearenses, alcançaram os altos rios amazônicos (REIS, 1953).
Se hoje a Amazônia é escancaradamente cobiçada pelas grandes potências imperialistas, séculos atrás não era muito diferente – mais precisamente a partir da disputa pelas terras do Novo Mundo entre portugueses e espanhóis. O Tratado de Tordesilhas, mediado pela Igreja, dividiu o direito de exploração do continente entre Portugal e Espanha. Segundo os ajustes desse tratado, a Amazônia seria espaço integrante das conquistas espanholas. Na verdade a linha de Tordesilhas que oficialmente demarcava a fronteira entre essas possessões nunca foi levada muito a sério, sobretudo entre ingleses, franceses e holandeses que a partir do século XVII, a serviço de empresas comerciais estavam criando estabelecimentos mercantis e militares ao longo do Amazonas. Conforme Tocantins (1979), o Tratado de Tordesilhas já nasceu “caduco”.
Curiosamente, as duas Coroas que se rivalizavam nos cometimentos marítimos, foram unificadas por Felipe II da Espanha em 1580 por ocasião da morte de Dom Henrique. Durante os 60 anos de aparente unidade amistosa, a Espanha parece não ter percebido a gravidade de muitos acontecimentos que mudariam radicalmente a posição geográfica de Portugal no Novo Mundo no momento da sua independência política em 1640 (TOCANTINS, 1979). Após essa data reincidiu a disputa entre os países ibéricos por colônias na América do Sul, ocorrida ao longo de boa parte de nossa história colonial. Mas os portugueses mostraram-se habilidosos em matéria de diplomacia, por exemplo, ao estabelecerem o princípio do uti possidetis como base para a divisão territorial. Este princípio determinava que a terra devesse ser possuída pelos que trabalhavam e que nela moravam; tal princípio tornou-se um instrumento importante para que os portugueses pudessem consolidar sua presença no imenso território que hoje é o Brasil.
Em meados do século XVIII pouco se conhecia sobre o interior do continente americano, e, menos ainda se conhecia sobre a Amazônia. O que não quer dizer que esta região fosse uma região despovoada. Nesse sentido, seria incorreto afirmar que os portugueses povoaram a Amazônia; seria mais fácil falar de despovoamento, tendo em vista o gigantesco número de índios que foram escravizados e massacrados pelos portugueses a partir do século XVII. “Os índios foram os primeiros produtos de exportação da Amazônia para Portugal” (SOUZA, 1992, p. 33).
Pode-se dizer que um dos períodos mais estudados da história amazônica é o que se refere à exploração da borracha, concomitantemente à imigração nordestina para aquela região a partir de 1850. Esse período desdobra-se em outros dois. A intensificação da imigração nordestina começa a partir de 1870 e se mantém num ritmo progressivo até mais ou menos 1912 – primeira batalha da borracha (primeiro surto). O período compreendido entre 1942 a 1945 ficou conhecido como segunda batalha da borracha (segundo surto).
Tem-se a década de setenta do século XIX como marco do chamado primeiro surto da borracha. Esse fenômeno levou para a Amazônia milhares de trabalhadores nordestinos. A década de setenta do século XIX foi também a década que acontecia uma das maiores secas do Nordeste brasileiro. Além disso a questão agrária agravava ainda mais os problemas dos trabalhadores pobres. Seja pela seca, ou pelo latifúndio ou por quaisquer outras razões, grandes levas de trabalhadores nordestinos foram “tangidos” em direção à Amazônia. A aventura de enfrentar a selva através do corte da seringa, geralmente, representava a esperança de uma vida melhor (BENCHIMOL, 1977). Na maioria das vezes o trabalhador alimentava o sonho de enriquecer e depois retornar a sua terra natal, o que dificilmente acontecia. Por outro lado, com os grandes grupos econômicos a história é outra: se para a maioria dos trabalhadores a ida para a Amazônia foi impulsionada por mazelas sociais, os interesses do capital internacional na região estão voltados para atender as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais fomentadas pela segunda revolução industrial a partir da segunda metade do século XIX. Da mesma maneira, a partir de 1941-1942 o capital estrangeiro defendeu assiduamente seus interesses na região: os aliados para vencerem a guerra precisariam de uma importante matéria-prima, que naquele momento só na Amazônia brasileira havia em quantidade suficiente – a borracha natural, o látex. Os acordos de Washington definiram que o Brasil tornaria essa matéria-prima acessível aos aliados, mas, para isso foi preciso o alistamento de milhares de trabalhadores brasileiros, principalmente nordestinos, para o corte da seringa. Os “soldados da borracha”, que muito contribuíram para com a vitória dos aliados não tiveram o devido reconhecimento.
Embora a História da Amazônia brasileira não tenha sido satisfatória aos nordestinos que para lá foram, nem aos nativos da região e outros, a miscelânea entre esses povos constituiu populações específicas, mas que se identificam, entre outras formas, nas tradições orais. A luta pela sobrevivência e as experiências de vida foram firmando tradições e foram constituindo o modo de vida dos povos da floresta. As lendas e histórias que foram e continuam sendo transmitidas a cada geração de amazônidas envolvem o homem regional com suas diferentes ocupações, seus valores, tradições e crenças, a fauna e a flora predominantes em cada lugar; afirmam o seu valor medicinal, curandeirismo, alimentício e de ornamentação em sintonia com a necessidade de preservação e manutenção do equilíbrio ecológico (OLIVEIRA, BADER, 1985).
O cotidiano do amazônida vem sendo, ao longo da história, recheado de estórias e lendas que o servem de registro, auto-afirmação, entretenimento, reprodução, conhecimento e sobrevivência. Personagens lendárias, como a Mãe-da-mata, apresentam-se de forma sugestiva à discussão sobre questões ecológicas. Segundo a lenda, a Mãe-da-mata é uma mulher muito bonita que está sempre montada num bicho parecido com uma anta e que tem a missão de proteger a fauna e a flora dos que exploram de forma predatória os recursos naturais, como “mal-seringueiro” que cortava as árvores e matava animais para vender o couro, a pele. Mas ao “bom-seringueiro” a Mãe-da-mata promete abundância de leite no corte da seringa e permite a caça para alimentação da família.

Esta lenda constituiu-se num excelente recurso para desmistificar a associação de fada com uma frágil mulher loura, de olhos azuis e varinha de condão, passando-se a associar fada com a nossa mãe-da-mata, mulher valente, morena, de traços marcantes – cabocla, valente (OLIVEIRA, BADER, 1985, p. 70).

Outra importante personagem lendária da Amazônia é o Curupira. Entidade protetora das matas e vigilante de todos que nelas habitam, o Curupira também protege o seringueiro e ou caçador que busca na mata apenas o necessário para sua sobrevivência. Os que barbaramente sacrificam os recursos naturais, como a “caçada sem precisão”, não são poupados pelo Curupira. No Acre, a imagem do Curupira mais conhecida é a de um menino, caboclinho, peludo, de cabelos avermelhados, os calcanhares para frente e os dedos para trás. Segundo a lenda, a capacidade de metamorfose do Curupira ajuda na perseguição, ludibriação e martirização do caçador malvado, que para atraí-lo o Curupira, geralmente, toma a forma de um animal que certamente será seguido floresta adentro. Depois que ambos, caçador e suposto animal, penetraram o interior da mata, o Curupira num piscar de olhos desaparece deixando o seu perseguidor inteiramente perdido.
Além das duas lendas acima citadas, são também conhecidas: Cipó-jibóia, Guaraná, O boto, Mapinguari, Matinta-Pereira, Caipora, Uirapuru, lenda da Mandioca, entre outras. E, conforme Leandro Tocantins (1984, p. 80), “estas lendas possuem raízes indígenas, africanas e européias. Ganharam sua própria versão, trabalhadas pelas populações nordestinas e regionais. São comuns em toda a Amazônia.”
A exemplo de quaisquer outras, não se pode identificar com precisão uma data para o início das lendas amazônicas. Basta saber que elas estão inseridas no processo de determinado período histórico de longa duração. No entanto, o mais importante é compreender que ao se falar no desenvolvimento de exploração da região amazônica tais lendas cumpriram e cumprem papel fundamental na defesa do equilíbrio ecológico, valorização econômica, cultural e social – em que pese o grau de politização, e consciência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco antes e além - depois. Manaus, Editora Humberto Calderaro, 1977.
MARTINELLO, Pedro. A “Batalha da borracha” na Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências para o vale amazônico, São Paulo: USP, 1985. (Tese)
OLIVEIRA, Maria da Glória Queiroz, BADER, Clara Elizabeth Simão. Educação ambiental para alfabetizar, Rio Branco: UFAC, 1985.
REIS, Arthur Cesar Ferreira. O seringal e o seringueiro, Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1953.
SOUZA, Carlos Alberto Alves de. História do Acre, Rio Branco: M.M. PAIM, 1992.
TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: geografia, história e sociedade, Rio de Janeiro: Philobiblion, 1884.
______. Formação histórica do Acre, Rio de Janeiro: Conquista, 1979, v.1.