quinta-feira, 14 de maio de 2009

Até Quando?

Por José Saramago - da página O Caderno de Saramago. Boa leitura.
"Há uns dois mil e cinquenta anos, mais dia menos dia, a esta hora ou outra, estava o bom Cícero clamando a sua indignação no senado romano ou no foro: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, perguntou ele uma vez e muitas ao velhaco conspirador que o quis matar e fazer-se com um poder a que não tinha qualquer direito. A História é tão pródiga, tão generosa, que não só nos dá excelentes lições sobre a actualidade de certos acontecidos outrora como também nos lega, para governo nosso, umas quantas palavras, umas quantas frases que, por esta ou aquela razão, viriam a ganhar raízes na memória dos povos. A frase que deixei acima, fresca, vibrante, como se tivesse acabado de ser pronunciada neste instante, é sem dúvida uma delas. Cícero foi um grande orador, um tribuno de enormes recursos, mas é interessante observar como, neste caso, preferiu utilizar termos dos mais comuns, que poderiam mesmo ter saído da boca de uma mãe que repreendesse o filho irrequieto. Com a enorme diferença de que aquele filho de Roma, o tal Catilina, era um traste da pior espécie, quer como homem, quer como político.
A História de Itália surpreende qualquer um. É um extensíssimo rosário de génios, sejam eles pintores, escultores ou arquitectos, músicos ou filósofos, escritores ou poetas, iluminadores ou artífices, um não acabar de gente sublime que representa o melhor que a humanidade tem pensado, imaginado, feito. Nunca lhe faltaram catilinas de maior ou menor envergadura, mas disso nenhum país está isento, é lepra que a todos toca. O Catilina de hoje, em Itália, chama-se Berlusconi. Não necessita assaltar o poder porque já é seu, tem dinheiro bastante para comprar todos os cúmplices que sejam necessários, incluindo juízes, deputados e senadores. Conseguiu a proeza de dividir a população de Itália em duas partes: os que gostariam de ser como ele e os que já o são. Agora promoveu a aprovação de leis absolutamente discricionárias contra a emigração ilegal, põe patrulhas de cidadãos a colaborar com a polícia na repressão física dos emigrantes sem papéis e, cúmulo dos cúmulos, proíbe que as crianças de pais emigrantes sejam inscritas no registo civil. Catilina, o Catilina histórico, não faria melhor.
Disse acima que a História de Itália surpreende qualquer um. Surpreende, por exemplo, que nenhuma voz italiana (ao menos que haja chegado ao meu conhecimento) tenha retomado, com uma ligeira adaptação, as palavras de Cícero: “Até quando, ó Berlusconi, abusarás da nossa paciência?” Experimente-se, pode ser que dê resultado e que, por esta outra razão, a Itália volte a surpreender-nos."
José Saramago

sexta-feira, 1 de maio de 2009

ALGUMAS PALAVRAS ACERCA DO 1º DE MAIO

Em 20 de junho de 1889 a II Internacional Socialista, reunida em Paris, propoôs que a cada 1º de maio os trabalhadores se organizassem para manifestar e expressar sua luta. Dessa maneira os socialistas reverenciavam a manifestação de trabalhadores ocorrida em Chicago nos Estados Unidos em 1886, cujo teor era exatamente a redução da jornada de trabalho de 12 e 16 horas para oito horas diárias.
A manifestação de 1º de maio de 1886 durou praticamente uma semana de confronto com os patrões e com a polícia, que prendeu e matou alguns trabalhadores.
Dessa luta nasceu o 1º de maio como feriado nacional e a redução da jornada de trabalho de 16 para 8 horas diárias. A França foi o primeiro país a adotar essas medidas (1919); a Rússia em seguida (1920). No Brasil, acredita-se que a primeira grande manisfestação de 1º de maio tenha ocorrido em Santos-SP (1895). Nessa época, Santos era um dos mais importantes centros operários do país.
O mais importante de tudo isso é não esquecermos a verdadeira essência do 1º de Maio, um dia de luta e de protesto contra a opressão capitalista sobre os trabalhadores. Infelizmente, em nosso país, a tentativa de descaracterizar essa data é marcante. Já em 1925 quando o governo brasileiro transformou o 1º de maio em feriado nacional, tinha tão somente a intenção de transformar esse dia num dia de festa nacional e não mais de lutas e protestos. E, a paritr de 1930, com Getúlio Vargas, se iniciará a tradição demagógica presidencial dos discursos que anunciam os parcos “aumentos” salariais.
No período de 1964 a 1985, a Ditadura Miliar intensificou a opressão contra os trabalhadores e contra sua manifestação do 1º de maio, só eram permitidos os atos oficias. Tais circunstância também fizeram do 1º de maio uma data de luta contra a Ditadura.
Com a Constituição de 1988 obtivemos uma séria de conquistas, tais como: Férias Remuneradas, 13º salário, Licença Maternidade, entre outras, seriamente ameçadas hoje em dia.
Enfim, não podemos perder o caráter combativo do 1º de maio. E, embora a boa música eleve nosso espírito e ajude a revigorar nossas forças, não podemos torná-lo um dia festivo com shows musicais.
Nossa grande esperança é que não existem só os propagadores de festas. Há também os que, apesar das intimidações dos discursos da ordem estabelecida, se preparam para a luta.
O historiador E. P. Thompsom, em sua obra “A Formação da Classe Operária Inglesa”, 2 ed., São Paulo: Paz e Terra, 1989, p. 303, traz uma importante fala de um verdureiro londrino da década de 1820:
“As pessoas imaginam que, quando tudo está quieto, está se estagnando. O propagandismo continua apesar disso. É quando tudo está quieto que a semente cresce, os republicanos e socialistas levam à frente suas doutrinas” (grifo meu).
Para não dizer que não falei de poesia, veja “Meu Maio”, de Vladimir Maiakvski:
A todos
Que saíram às ruas
De corpo-máquina cansado,
A todos
Que imploram feriado
Às costas que a terra extenua –
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
Derrete a neve com sol gaio.
Sou operário –
Este é o meu maio!
Sou camponês - Este é o meu mês.
Sou ferro –
Eis o maio que eu quero!